[Sugestão de Pauta] Roteirista trans Hela Santana conta histórias que antes seriam impossíveis na TV brasileira
Roteirista trans Hela Santana conta histórias que antes seriam impossíveis na TV brasileira
Autora faz parte de time que escreve a série 'Falas' na Rede Globo
A história de amor e resistência de Kátia, mulher trans, interpretada pela atriz Kika Sena, e Lena, mulher cis interpretada pela atriz Ana Flávia Cavalcanti, deu vida ao episódio 'Sismícas' apresentado no 'Falas de Orgulho', exibido na semana do Orgulho Internacional LGBTQIAPN+, na TV Globo. Esse foi o terceiro episódio da antologia 'Histórias (Im)possíveis". Entre o time de roteiristas, está Hela Santana, escritora negra, trans e baiana, radicada em São Paulo.
Para Hela, a história deste episódio toca em um lugar muito forte, porque pra além da história de amor, traz temas e símbolos que remetem muito a sua história. ''Pode parecer uma coisa muito sútil, mas que pra gente que é trans ou LGBT no geral sabe o que significa realizar mudanças de casa o tempo todo, porque às vezes a gente não tem família e vive se mudando. Eu, depois que fui expulsa de casa, morei em muitos lugares e não foi por escolha. Você fica um tempo em uma casa e de repente tem que ir pra outro lugar. Te abrigam por um tempo, depois você precisa ir e isso acaba gerando um trauma, porque parece que você não pertence a lugar nenhum."
A antologia 'Histórias (Im)possíveis' não é seu único projeto. Hela também faz parte de time de roteiristas da série 'Encantados 2', que é a continuidade da série de comédia que está sendo exibida atualmente na TV Globo, e que trabalha com uma equipe majoritariamente negra dentro e fora da tela. Também roteirizou o quadro 'Mulheres Fantásticas', para o Fantástico e é uma das convidadas do FRAPA – O maior festival de roteiro da América Latina. A previsão é que em 2024, chegue aos cinemas de todo o Brasil o seu primeiro filme de longa-metragem como roteirista, 'Pajubá', um documentário sobre pessoas trans.
"Estamos vivendo na era da diversidade. Logo após a finalização do curso formativo de roteiro na FLUP, propus o projeto documental Pajubá, pensado para o Dia do Orgulho e voltado pra pessoas trans. O projeto não foi realizado pela emissora, mas está dando os seus próprios passos. Convidei a Gautier Lee para dirigir esse filme e ainda nesse segundo semestre iniciamos as gravações."
Para a Hela Santana, a presença queer no mercado audiovisual traz uma sensação agridoce, pois ela reconhece que existe um crescente reconhecimento e ocupação de espaços, mas avalia que ainda têm muita estrada para percorrer. "Cada geração faz uma ruptura até onde dá pra ir. Eu acho que a nossa vai romper muita coisa ainda e sinto que há um espaço que está sendo consolidado, porque a gente é insistente e está em todos os lugares. Temos uma presença de pessoas trans trabalhando e fazendo audiovisual independente e que, só não é maior, porque é difícil fazer audiovisual no Brasil."
Dos textões das redes sociais para a TV
Hela Santana teve seu primeiro contato profissional com o audiovisual ao encantar o realizador Gil Baroni com sua sensível resenha crítica feita no Facebook para o EP da Jup do Bairro. Depois disso, passou a trabalhar na comunicação do filme queer 'Alice Júnior', realizada pela empresa distribuidora Olhar. Após vivenciar a rotina nesse mercado, veio a pandemia e as coisas pareciam impossíveis para ela. Mas o seu sonho de adolescente de trabalhar com audiovisual foi retomado ao ingressar em laboratórios de roteiros e autores, que aconteciam no formato online.
Em 2020, participou do LANANI – Laboratório de Narrativas Negras e Indígenas para Audiovisual dentro da programação do FLUP – Festa Literária das Periferias. Esse foi um divisor de águas na sua carreira e fundamental para a conquista do seu primeiro emprego como roteirista na TV Globo. Em 2021, escreveu para a série de animação "Os pequenos Crononautas", em produção pela Bactéria Filmes, pouco antes de ser contratada pela TV Globo para compor as salas de roteiro da antologia 'Histórias (Im)possíveis', e a 2ª temporada do sitcom "Encantado's".
"De repente, eu estava trabalhando com pessoas que eu estava estudando literalmente porque eu estudava muito sobre roteiro. A Renata Martins, uma das criadoras do 'Histórias (Im)possíveis', é a maior cineasta desse país pra mim e aí eu estava trabalhando com ela, além de outras realizadoras inspiradoras, como Grace Passô e Thais Fujinaga. Pessoas como eu, pretas no geral não tem muita chance. Trans então é menos chance ainda."
Imagens: Gabriel Fonseca